por Abilio Godoy
Vaidade das vaidades!, diz o Eclesiastes. Tudo é vaidade! Que proveito tira o homem de todo o trabalho com que se afadiga debaixo do sol? Que proveito tira a sociedade de todo o dinheiro público – que, sempre se diga, nos prometeram: seria privado! – gasto com estádios de futuro incerto? Que proveito de trabalhadores mortos de improviso sob o rolo compressor da ordem e do progresso, gente soterrada às pressas, sob guindastes e viadutos? Que proveito de flagrantes forjados, prisões arbitrárias, demissões de grevistas e muita porrada em manifestantes? A copa das copas, foi a resposta que sopraram por aí. E que os gringos gostaram das meninas da Vila Madalena. E que a Narcisolândia deu um show de hospitalidade.
Sim, teve até gente que se emocionou com o hino cuja letra homenageia nossos bosques sem mencionar as enormes desigualdades que nos definem. Gente que das arquibancadas entoava a cantilena sobre o orgulho de ser narcisolandês. Gente que dedicou sua torcida apaixonada, irracional, incondicional, reacionária, machista, opressora e xenófoba à nossa seleção dourada. Gente que morreu de pena do Reymar e que, se pudesse, lincharia o ca$hebolista adversário que o tirou da competição. Gente que enfim se calou diante do sete-a-um em Belo Semblante e deixou o estádio antes do apito porque a goleada não estava no roteiro da festa que eles compraram.
E quando essa gente vaiou a presidente, um monte de gente, inclusive parte dessa gente, reagiu em defesa da mulher, da senhora, da avó. Grande cafonice. O problema não é xingar uma senhorinha – há muitas que merecem. O problema é desmoralizar a presidente eleita e, como consequência, nossa débil democracia. O problema é o xingamento covarde dissociado de qualquer crítica, alienado de qualquer discurso, que não tem outra função – como quando se xinga um juiz de ca$hebol – que intimidar e constranger o alvo. Ora, então não temos nada a dizer à chefe do executivo além de “vai tomar no cu”? Que tal “Ei, Dilma, saúde e educação!”, ou “Ei, Dilma, protesto não é crime!”…? Agora, fosse o presidente da CIFRA (Ca$hebol Internacional Fazendo os Ricos Ascenderem) o objeto da vaia e o “vai tomar no cu” sairia na medida. O que mais se poderia gritar a esse septuagenário corrupto que ninguém elegeu? O que dizer a esse – na acertada definição do Mujica – velho filho da puta?
Desliguei a televisão depois do vexame de Belo Semblante e, descendo para a rua, encontrei, no elevador do prédio, uma família inteira uniformizada. Eles baixaram os olhos constrangidos, como se eu os tivesse surpreendido de pijamas. Eu disse a eles que já vi tudo debaixo do sol: eis que tudo é vaidade e vento que passa. E, mesmo assim, acordei no dia seguinte com muita vontade de trabalhar.